O nome é fictício, mas a história não. Toda vez que Mariana Pereira relembra o que aconteceu, cai em um choro profundo. Em meio a pedidos de desculpa, não consegue conter as lágrimas ao relatar o que passou há seis anos no banco em que trabalhava. Às vezes, perde a linha de raciocínio em meio ao relato. “Culpa dos remédios”, diz ela, que depende de nove comprimidos por dia, o equivalente a uma conta de R$ 200,00 por mês. A confusão mental é apenas um dos muitos sintomas de quem sofre assédio moral, prática que vitima não só os trabalhadores, mas a própria empresa, a sociedade e o poder público.
Tudo é ainda muito incipiente. Tanto que o depoimento da bancária, o nome da empresa em que atuava e de seu agressor precisaram ser mantidos em sigilo pela reportagem. A expectativa é de uma mudança de cenário, uma vez que o assunto, ainda um tabu para as organizações, começa a ganhar espaço graças ao crescimento do número de denúncias. Os casos de adoecimento psíquico são cada vez mais frequentes no Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (SindBancários). Na grande maioria das vezes, estão relacionados ao assédio.
“A pressão pelo cumprimento de metas chegou a um nível insuportável e essa cobrança de objetivos inatingíveis leva a uma competição predatória entre os próprios colegas”, afirma o presidente do SindBancários, Juberlei Baes Bacelo. Sem contar o fantasma do desemprego. “Para não correr o risco de ir para a rua, as pessoas trabalham de forma alucinada”, relata.
Mariana deixou de almoçar por medo de perder a comissão dos negócios prospectados com clientes por telefone. Fazia as ligações de casa, à noite, já que era rechaçada na agência por se empenhar no cumprimento das metas. A colega, que exercia a mesma atividade e que via em Mariana uma potencial concorrente ao cargo de gerência, passou a persegui-la e atendia quem a procurava no intervalo, contabilizando para si as vendas de produtos. Ali, desenvolveu uma anemia e também adquiriu gastrite nervosa.
Hoje, a assediadora é gerente de uma agência. Mariana está sem receber desde janeiro, porque o Instituto Nacional de Seguridade Social não reconhece sua doença. O marido foi demitido em fevereiro. “Tenho certeza de que foi por minha causa, pois muitas vezes ele saiu do trabalho para me atender em casa e também me visitar na clínica em que fiquei internada para tratamento”, lamenta ela, hoje portadora da síndrome do pânico.
A ajuda financeira tem vindo da família e ajuda a custear também os remédios e o tratamento psiquiátrico. A esperança é de que os processos que move na Justiça se desenrolem logo. “Eu era uma pessoa alegre, sabe? Tinha gosto pela vida. Agora tenho medo de sair na rua, não confio nas pessoas porque levei muita rasteira. Não penso mais em me matar, mas para mim chega. Estou cansada de lutar, de provar que não estou mentindo e que estou doente.”
A luta do Ministério Público do Trabalho é para mudar histórias como essa. A Coordenadoria Nacional de Defesa de Promoção da Igualdade, que atua contra qualquer forma de discriminação e assédio moral, deve finalizar um manual com todas as informações necessárias sobre o tema e apresentá-la ainda neste mês.
“O documento vai ajudar a identificar a prática, quem são os sujeitos que exercem a pressão, o perfil do agressor e, assim, auxiliar as empresas a prevenir o problema”, resume José de Lima Ramos Pereira, procurador regional do Trabalho da 21ª Região (Rio Grande do Norte), que integra a equipe responsável pela elaboração.
Especialista no assunto, Pereira diz que os prejuízos ao mundo corporativo têm sido assustadores. As vítimas de assédio moral apresentam queda na produtividade. E mais: o ambiente conturbado e de desequilíbrio atinge toda a equipe.
O resultado se reflete na perda de lucro, pois falta estímulo para a produção. “Além disso, deixa-se de contar com mão de obra qualificada, pois as vítimas acabam se ausentando ou até mesmo saindo em licença”, diz o procurador.
Quando isso acontece, surgem mais gastos pela necessidade de treinar outro funcionário para a função. Isso sem contar a pior de todas as perdas: o desgaste da imagem da organização.
Lei federal poderá regular o tema
O manual sobre assédio moral do Ministério Público do Trabalho (MPT) vai ajudar não só a definir uma estratégia de atuação para os procuradores como também servirá de base para um objetivo mais ambicioso. A ideia é apresentar proposta de projeto de lei ao Senado Federal e à Câmara de Deputados para que se tenha uma regulamentação nacional a respeito do assunto.
Com todos esses mecanismos, o MPT pretende ampliar a discussão sobre o tema, responsabilizar os assediadores e previnir novos casos. Uma campanha publicitária em Natal (RN) mostrou que o acesso às informações são cruciais para combater a prática. “Houve um aumento de 60% na demanda do Rio Grande do Norte a partir dessa medida”, comemora José de Lima Ramos Pereira, procurador regional do Trabalho da 21ª Região.
É que, na prática, as pessoas têm vergonha de dizer que sofrem assédio. “Hoje há mais esclarecimento, mas falta uma lei que ajude a enquadrar e a criminalizar esses atos”, destaca Pereira. Atualmente, o MPT tem averiguado casos de constrangimento no ambiente de trabalho em todas as esferas.
O mais comum é o chamado assédio do superior para o subalterno, mas há também casos de assédio contra as chefias, entre colegas e até mesmo com fornecedores. “Não depende do nível de hierarquia, mas do vínculo de trabalho”, esclarece o procurador. Normalmente, está atrelado ao abuso de poder. Entre as características do agressor, estão a arrogância, necessidade de ser admirado, inveja, ignorância, orgulho e ironia.
O difícil é identificar a prática, já que muitas vezes ela acontece sem que o agressor perca a postura nem seja violento. As vítimas preferidas, de acordo com estudos, são mulheres, estrangeiros, pessoas que sofrem alguma incapacidade, idosos, negros, homossexuais, funcionários com estabilidade temporária (como membros da Cipa ou dirigentes sindicais), afastados por doença, portadores de HIV e obesos.
Fonte: Jornal do Comércio – Cristine Pires
Tudo é ainda muito incipiente. Tanto que o depoimento da bancária, o nome da empresa em que atuava e de seu agressor precisaram ser mantidos em sigilo pela reportagem. A expectativa é de uma mudança de cenário, uma vez que o assunto, ainda um tabu para as organizações, começa a ganhar espaço graças ao crescimento do número de denúncias. Os casos de adoecimento psíquico são cada vez mais frequentes no Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (SindBancários). Na grande maioria das vezes, estão relacionados ao assédio.
“A pressão pelo cumprimento de metas chegou a um nível insuportável e essa cobrança de objetivos inatingíveis leva a uma competição predatória entre os próprios colegas”, afirma o presidente do SindBancários, Juberlei Baes Bacelo. Sem contar o fantasma do desemprego. “Para não correr o risco de ir para a rua, as pessoas trabalham de forma alucinada”, relata.
Mariana deixou de almoçar por medo de perder a comissão dos negócios prospectados com clientes por telefone. Fazia as ligações de casa, à noite, já que era rechaçada na agência por se empenhar no cumprimento das metas. A colega, que exercia a mesma atividade e que via em Mariana uma potencial concorrente ao cargo de gerência, passou a persegui-la e atendia quem a procurava no intervalo, contabilizando para si as vendas de produtos. Ali, desenvolveu uma anemia e também adquiriu gastrite nervosa.
Hoje, a assediadora é gerente de uma agência. Mariana está sem receber desde janeiro, porque o Instituto Nacional de Seguridade Social não reconhece sua doença. O marido foi demitido em fevereiro. “Tenho certeza de que foi por minha causa, pois muitas vezes ele saiu do trabalho para me atender em casa e também me visitar na clínica em que fiquei internada para tratamento”, lamenta ela, hoje portadora da síndrome do pânico.
A ajuda financeira tem vindo da família e ajuda a custear também os remédios e o tratamento psiquiátrico. A esperança é de que os processos que move na Justiça se desenrolem logo. “Eu era uma pessoa alegre, sabe? Tinha gosto pela vida. Agora tenho medo de sair na rua, não confio nas pessoas porque levei muita rasteira. Não penso mais em me matar, mas para mim chega. Estou cansada de lutar, de provar que não estou mentindo e que estou doente.”
A luta do Ministério Público do Trabalho é para mudar histórias como essa. A Coordenadoria Nacional de Defesa de Promoção da Igualdade, que atua contra qualquer forma de discriminação e assédio moral, deve finalizar um manual com todas as informações necessárias sobre o tema e apresentá-la ainda neste mês.
“O documento vai ajudar a identificar a prática, quem são os sujeitos que exercem a pressão, o perfil do agressor e, assim, auxiliar as empresas a prevenir o problema”, resume José de Lima Ramos Pereira, procurador regional do Trabalho da 21ª Região (Rio Grande do Norte), que integra a equipe responsável pela elaboração.
Especialista no assunto, Pereira diz que os prejuízos ao mundo corporativo têm sido assustadores. As vítimas de assédio moral apresentam queda na produtividade. E mais: o ambiente conturbado e de desequilíbrio atinge toda a equipe.
O resultado se reflete na perda de lucro, pois falta estímulo para a produção. “Além disso, deixa-se de contar com mão de obra qualificada, pois as vítimas acabam se ausentando ou até mesmo saindo em licença”, diz o procurador.
Quando isso acontece, surgem mais gastos pela necessidade de treinar outro funcionário para a função. Isso sem contar a pior de todas as perdas: o desgaste da imagem da organização.
Lei federal poderá regular o tema
O manual sobre assédio moral do Ministério Público do Trabalho (MPT) vai ajudar não só a definir uma estratégia de atuação para os procuradores como também servirá de base para um objetivo mais ambicioso. A ideia é apresentar proposta de projeto de lei ao Senado Federal e à Câmara de Deputados para que se tenha uma regulamentação nacional a respeito do assunto.
Com todos esses mecanismos, o MPT pretende ampliar a discussão sobre o tema, responsabilizar os assediadores e previnir novos casos. Uma campanha publicitária em Natal (RN) mostrou que o acesso às informações são cruciais para combater a prática. “Houve um aumento de 60% na demanda do Rio Grande do Norte a partir dessa medida”, comemora José de Lima Ramos Pereira, procurador regional do Trabalho da 21ª Região.
É que, na prática, as pessoas têm vergonha de dizer que sofrem assédio. “Hoje há mais esclarecimento, mas falta uma lei que ajude a enquadrar e a criminalizar esses atos”, destaca Pereira. Atualmente, o MPT tem averiguado casos de constrangimento no ambiente de trabalho em todas as esferas.
O mais comum é o chamado assédio do superior para o subalterno, mas há também casos de assédio contra as chefias, entre colegas e até mesmo com fornecedores. “Não depende do nível de hierarquia, mas do vínculo de trabalho”, esclarece o procurador. Normalmente, está atrelado ao abuso de poder. Entre as características do agressor, estão a arrogância, necessidade de ser admirado, inveja, ignorância, orgulho e ironia.
O difícil é identificar a prática, já que muitas vezes ela acontece sem que o agressor perca a postura nem seja violento. As vítimas preferidas, de acordo com estudos, são mulheres, estrangeiros, pessoas que sofrem alguma incapacidade, idosos, negros, homossexuais, funcionários com estabilidade temporária (como membros da Cipa ou dirigentes sindicais), afastados por doença, portadores de HIV e obesos.
Fonte: Jornal do Comércio – Cristine Pires
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