terça-feira, 4 de novembro de 2008

Bahia tem 2 mil casos de trabalho forçado


Estatística da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam para 25 mil o número de brasileiros vítimas do trabalho forçado – situações em que, aparentemente formais, as relações trabalhistas expõem o empregado à dependência e subserviência aos empregadores, muitas vezes envolvendo ameaça e assédio moral. Deste total, cerca de 2 mil estão na Bahia, a maioria realizando trabalho rural escravo na região Oeste de Barreiras e Luiz Eduardo Magalhães.
“Este tipo de exploração se processa mais na região do agronegócio da soja e do milho. Ano passado, resgatamos em torno de 100 trabalhadores vivendo nesta situação na região de Barreiras, em condições de trabalho extremamente precárias, sem higiene nem água potável”, explica Wellington Maciel Paulo, presidente do Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho da Bahia, órgão vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
Para Sílvio Humberto, doutor em economia e diretor do Instituto Steve Biko, que trabalha com a reafirmação cultural afrodescendente na capital, “O mais comum é quando o empregado vive num sistema de armazém, compra na mão do patrão e continua devendo”. Em Salvador, Sílvio Humberto configura o emprego doméstico informal – “uma forma disfarçada de trabalho forçado” – como principal tipo de exploração.
Entidades locais e pesquisadores africanos e europeus permanecem até amanhã, no V Colóquio Internacional Trabalho Forçado Africano - Brasil, 120 anos de abolição, aberto ontem, no anfiteatro da Faculdade de Medicina da Bahia (Centro Histórico), que discute novas configurações do trabalho escravo nos dias atuais. Pela primeira vez realizado fora da Europa, reúne representantes da França, Canadá, Benin, Angola, Hungria e Brasil. O colóquio tem como foco o trabalho escravo negro, característico dos países subdesenvolvidos de passado escravocrata. Ministro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Sepir), Edson Santos destacou a atuação do Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 438/2001 como “fundamentais” no combate ao trabalho escravo. A PEC prevê a expropriação de terras daquele que for flagrado explorando mão-de-obra escrava, e aguarda votação na Câmara dos Deputados desde agosto de 2004. “As relações de trabalho de certa forma melhoraram, mas não o suficiente. Na Grécia, por exemplo, cerca de 25 mil africanos trabalham em serviços domésticos ou como ambulantes”, avalia a pesquisadora Kátia Mattoso, para quem “o trabalho escravo não é um fenômeno exclusivamente brasileiro”. Especialista em história social da escravidão no Brasil, a historiadora grega é autora de Ser Escravo no Brasil e Bahia Século XIX - Uma Província no Império. Dados da ONG Reporter Brasil indicam que, de 1995 até 2008, mais de 31,2 mil trabalhadores brasileiros foram libertados de condições análogas à escravidão. No ano passado, foram cerca de 6 mil libertações, realizadas especialmente nas regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil. Segundo Wellington Maciel Paulo, os flagrantes são decorrentes de denúncias da imprensa, dos próprios trabalhadores ou da Pastoral da Terra. A adolescente F.S.S. é uma em cerca de 250 mil casos de trabalho doméstico irregular em Salvador. Aos 16 anos, recebe R$ 120 mensais para lavar, passar e cozinhar numa residência em Castelo Branco, bairro onde mora. Por causa do serviço, que vai das 8h às 18h, largou os estudos na 8° série do segundo grau. Mãe de uma menina de oito meses, diz ser “obrigada” a trabalhar sem carteira assinada e ganhando menos de um salário mínimo. “Eu recebo um salário, como é que eu posso lhe pagar a mesma coisa que eu ganho”, diz, reproduzindo a fala da patroa, que é funcionária pública. Conformada, F.S.S. justifica que “ganha pouco mas é o que pode arranjar perto de casa”, e se sente aliviada em poder levar a filha para o emprego, onde toma conta de outra criança de dois anos. Nestas condições, tem direito a “férias” de 15 dias anuais, negociáveis a depender da necessidade da empregadora. De acordo com o Sindicato dos Auditores Fiscais do Trabalho do Estado da Bahia, órgão vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), cerca de 500 mil pessoas, a maioria mulheres, atuam no serviço doméstico na capital, 50% de forma irregular. Deste percentual, o trabalho infantil domiciliar torna-se quase impossível de ser identificado. “O domicílio é inviolável, o auditor não tem poder de entrar de casa em casa para fiscalizar”, explica Wellington Maciel Paulo, presidente do sindicato. Segundo Wellington, em se tratando de trabalho forçado, a maioria dos casos são descobertos através de denúncias. “Não temos registros que envolvam o trabalho doméstico infantil em Salvador, não conseguimos alcançar estes dados por causa das dificuldades na fiscalização”. O presidente do sindicato classifica o trabalho forçado em meio rural como o mais comum no Estado, em especial no Oeste.

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